Querido Tempo,
Você passou depressa, meu amigo. Ainda ontem éramos duas crianças
brincando, alheias a tudo, a todos, ao mundo. Alheias a nós mesmas,
até. Você não era tão importante, é verdade. Afinal, o que eram os
meses, os anos? Confesso que isso não tinha para mim valor algum. Não
podíamos dimensionar grandezas tão inúteis naquela época. As datas me
pareciam totalmente abstratas, apenas uma voz adulta que de vez em
quando perturbava, tão distante que soava irreal. Não havia
preocupações, querido Tempo. A vida cabia toda num único instante, num
sabor de sorvete, numa tarde no parque, na água gelada da piscina. Tudo
era tão simples. Quem é que se preocupava com o dia de amanhã? Os
adultos, certamente. A nós, crianças, cabia apenas a delícia do hoje, a
glória do agora, a alegre solidez dos minutos bem aproveitados, sorvidos
com avidez. Para nós, o amanhã não existia. Após o hoje, haveria um
novo hoje, e outro, e outro mais. A incerteza do futuro não tinha poder
sobre nós. Íamos, assim, felizes, munidos de sorrisos, travessuras,
molecagens. Grandiosos príncipes e princesas, cavaleiros, desbravadores
de milhões de mares, bailarinas, marinheiros, astronautas, possuidores
de todas as garantias. O mundo era nosso, e cabia na palma de nossa
mão. Ser criança era de fato algo muito simples. Porque criança não tem
essa de ‘ser ou não ser’, não existe a hipótese dessa questão. Ela é. O
que quiser. E só. Mas aí veio você com sua curiosidade medonha, Tempo. E
as coisas mudaram de repente. Você abriu o portal para uma nova
dimensão, o qual atravessamos juntos, em meio a passos vacilantes. Então
você se fez notar. Abriram a temporada de prazos e datas-limites. Uma
judiação o que fizeram com você, querido amigo. Tolheram a sua
liberdade. Penso em como você deve se sentir. Um sujeito outrora tão
livre, tão cheio de si, em poucos anos preso, arregimentado,
minuciosamente controlado. Tão triste viver assim! Ai, Tempo. Tenho pena
de você. Tenho pena de nós dois. Sei que não era para ser assim; você e
eu planejamos tudo de forma tão diferente! Na nossa maneira de conceber
o futuro, as coisas seriam mais pacatas e mais serenas. Éramos dois
sensíveis, você se lembra? Dois utópicos sonhadores… O nosso erro,
querido Tempo, eu já sei qual foi. O nosso erro foi ter pensado na vida
sob a ótica ingênua das crianças.
Abraços nostálgicos de quem muito sofre a sua ausência.
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